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1ª Parte: Direito e Segurança no Mar
CAPÍTULO I: DIREITO DO MAR
com navios de guerra, que, segundo o artigo 58 (1) da CNUDM, não demanda qual -
quer aviso ou mesmo autorização do Estado costeiro para qualquer tipo de navio,
seja de guerra, não comercial ou comercial, disposição abrigada pelo artigo 10 da Lei
nº 8.617/1993:
É reconhecido a todos os Estados o gozo, na zona econômica exclusiva,
das liberdades de navegação e sobrevoo, bem como de outros usos do mar
internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais
como os ligados à operação de navios e aeronaves.
Esse artigo não qualifica navios militares como uma hipótese de exclusão, desde que
sua operação esteja afeta aos usos internacionalmente lícitos do mar, que incluem, no-
meadamente, o cumprimento da CNUDM.
Pode haver, portanto, a princípio, um conflito de normas em relação ao que dispõem
o artigo 58 (1) da CNUDM e o artigo 10 da Lei nº 8.617/1993, exclusivamente no que se
refere à ZEE, no tocante à Lei Complementar nº 90/1997.
Já a intervenção militar em águas jurisdicionais de outro Estado recebe distinta abor-
dagem legal, pois é exceção que somente se justifica a partir de medida autorizada pelo
Conselho de Segurança da ONU nos termos do artigo 39 da Carta das Nações Unidas,
a exemplo do que ocorreu nas águas da Somália com relação a atos de pirataria, que
se tornaram objeto de medidas do Conselho de Segurança: Resolução 1.816, de 2008
(CANINAS, 2009).
O artigo 58 (2) traz, ainda, uma norma que coloca os direitos e deveres dos Estados na
ZEE sob o guarda-chuva dos artigos 88 a 115 da CNUDM e demais normas de direito in-
ternacional afetas ao alto-mar. Esse dispositivo traz para a ZEE, por exemplo, o estatuto
dos navios previsto no artigo 92: um navio estrangeiro na ZEE deve submeter-se apenas
à jurisdição do seu Estado de bandeira, salvo disposição específica da CNUDM ou do
direito internacional. Um caso específico é a jurisdição penal em caso de abalroamento
ou qualquer outro incidente de navegação, cujos procedimentos penais e disciplinares
contra o capitão ou qualquer membro da tripulação só podem ser iniciados perante as
autoridades judiciais ou administrativas do Estado de bandeira ou perante as do Estado
do qual essas pessoas sejam nacionais. Isso impacta diretamente, por exemplo, a juris-
dição do Tribunal Marítimo .
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23 As competências do Tribunal Marítimo sobre navios estrangeiros e marítimos estrangeiros em águas
brasileiras estão inscritas no artigo 10 (a), (c) e (e) da Lei nº 2.180/1954. A competência do Tribunal
Marítimo, contudo, não pode ir além do disposto no artigo 56 da CNUDM, cuja lista de direitos de so-
berania e jurisdição tem caráter taxativo, nem contrariar outros dispositivos da mesma Convenção ou
do direito internacional aplicável. Uma dessas hipóteses é aquela do artigo 97 da CNUDM combinado
com o artigo 58 (2), que exclui do Tribunal Marítimo a competência para processar e, portanto, impor
penalidades em casos de abalroamento ou incidentes de navegação ocorridos a um navio na ZEE que
possa acarretar uma responsabilidade penal ou disciplinar para o capitão ou para qualquer outra pes-
soa a serviço do navio.
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