Page 45 - Brasil e o Mar no Século XXI
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Centro de Excelência para o Mar Brasileiro
            O BRASIL E O MAR NO SÉCULO XXI
            Finalmente, a CNUDM trata, no artigo 59, dos chamados “direitos residuais”, que são
            direitos de soberania e jurisdição não atribuíveis pela Convenção a qualquer Estado so-
            bre a ZEE. Na ocorrência de um conflito de interesses sobre tais direitos, a solução deve
            se dar “com base na equidade e à luz de todas as circunstâncias pertinentes, tendo em
            conta a importância respectiva dos interesses em causa para as partes e para o conjunto
            da comunidade internacional”, conforme a Parte XV da CNUDM.


            4.4. O Alto-Mar
            A definição jurídica para o alto-mar é feita por exclusão: alto-mar são todas as partes que
            não estão incluídas nas águas interiores, no mar territorial, na ZEE nem nas águas ar-
            quipelágicas de um Estado (CNUDM, artigo 86). A construção desse conceito, que segue
            a mesma ratio do conceito de Área, tem implicações para a interpretação da Convenção:
            o propósito da CNUDM na construção do regime jurídico da Área e do alto-mar teria
            privilegiado a soberania e os direitos conexos dos Estados costeiros, em detrimento dos
            direitos de todos os demais Estados, como ocorre com a natureza de patrimônio comum
            da humanidade da Área e seus recursos (artigo 136).
            Isso se reforça, como se vê adiante, na previsão jurídica do artigo 76 e do Anexo II da
            CNUDM quanto à extensão da plataforma continental além das 200 milhas marítimas. O
            artigo 82 fixa apenas um ônus para o Estado costeiro sobre os recursos não vivos da pla-
            taforma continental além de 200 milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais
            se mede a largura do mar territorial, enquanto toda a Parte XI da CNUDM e o Acordo
            para Implementação de 1994 se aplicam apenas às áreas residuais, portanto, além da
            jurisdição do Estado costeiro, excetuada a plataforma continental.
            Diferentemente da Área (fundos marinhos além da plataforma continental), que tem
            natureza de patrimônio comum da humanidade, o alto-mar é um espaço de liberdades
            recíprocas que tocam a todos os Estados indistintamente, as mesmas liberdades que
            limitam os direitos de soberania da ZEE: de navegação e de sobrevoo; de colocação de
            cabos e dutos submarinos; de construção de ilhas artificiais e outras instalações permi-
            tidas pelo direito internacional; de pesca, nos termos das condições enunciadas na se-
            ção 2 da Parte VII da CNUDM, que trata da Área; e de liberdade de investigação científica
            marinha, nos termos das Partes VI e XIII.
            As liberdades em alto-mar são, às vezes, reguladas por convenções internacionais que
            cuidam, por exemplo, da poluição marinha por óleo ou por alijamento como obrigações
            gerais que tocam a todos os Estados em vista da proteção e da preservação do meio
            ambiente marinho, independentemente do espaço oceânico . O exercício de tais liber-
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            dades, reguladas ou não por convenções, não pode alterar a finalidade exclusivamente
            pacífica de uso do alto-mar, nem infringir o princípio de ilegitimidade de reivindicações
            de soberania sobre o alto-mar, nem limitar direitos de navegação, inclusive de Estados
            sem litoral (CNUDM, artigos 88 a 90).


            24 Nesse sentido, o artigo 192 da CNUDM e as convenções da Organização Marítima Internacional (IMO –
            International Maritime Organization) sobre prevenção de poluição por óleo e sobre segurança da vida no
            mar, apenas para citar dois exemplos.


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