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Maricultura: o presente e o futuro da produção de pescado
Professor Dr. Ronaldo Olivera Cavalli
A percepção equivocada de que os mares seriam uma fonte inesgotável de alimentos para o ser humano
tem afetado negativamente os ecossistemas marinhos. A estagnação das capturas pela pesca
extrativista e o crescimento vertiginoso da aquicultura nas últimas décadas, somada à crescente
demanda por pescado no mercado mundial, transformou a aquicultura no principal fornecedor de
pescado para consumo humano (FAO, 2022). Se a aquicultura tem se mostrado vital para a segurança Matéria:
alimentar, a necessidade de se desenvolver a maricultura, definida aqui como a criação ou o cultivo de
espécies marinhas ou estuarinas, é ainda mais estratégica, pois, embora as reservas de água doce
sejam elevadas, elas são finitas. Felizmente, o Brasil possui condições excepcionais para a expansão
desta atividade. Com clima ameno na maior parte do seu extenso litoral e em sua zona econômica
exclusiva, o país conta com um grande mercado consumidor e uma sólida comunidade científica para
apoiar a exploração sustentável dos ecossistemas marinhos (Valenti et al., 2021).
A maior parcela da nossa produção aquícola provém de espécies de água doce (IBGE, 2023). Nos
últimos anos, porém, avanços significativos também vêm sendo observados na maricultura. A produção
comercial de moluscos, que teve Santa Catarina como estado pioneiro e ainda hoje é nosso principal
produtor, vem apresentando sinais de crescimento em outras regiões do país. Atualmente, todos os
estados litorâneos apresentam alguma atividade de pesquisa ou produção de moluscos. Apesar das
aproximadamente 11 mil toneladas de moluscos produzidas em 2021 (IBGE, 2023) serem consideradas
pequenas diante do nosso potencial, essa produção tem caráter familiar e, portanto, tem enorme Maricultura: o presente e o futuro da produção de pescado
importância socioeconômica, mesmo em áreas onde a produção é pequena.
O setor de criação de camarões tem caráter empresarial e cadeia produtiva relativamente bem
organizada. Os pequenos produtores representam cerca de 75% dos mais de 3.000 carcinicultores
brasileiros. A produção se baseia na monocultura de Penaeus vannamei (Figura 1), sendo a maior
parcela oriunda de fazendas em regiões estuarinas do Nordeste, onde sistemas semi-intensivos são
normalmente usados. Embora a atividade se caracterize pela utilização de extensas áreas, tem se
observado uma migração para áreas no interior com o uso de águas de baixa salinidade, além da
aplicação de sistemas mais intensivos em áreas menores, com uso de tecnologias de recirculação,
bioflocos e reciclagem, e mitigação dos impactos ambientais (Valenti et al., 2021). Em 2021, a produção
brasileira de camarão foi estimada em 78,6 mil toneladas (IBGE, 2023), com a maior parcela sendo
comercializada no mercado interno.
Outra importante alternativa para a maricultura nacional é a produção de algas. Apesar de iniciativas
comerciais de cultivo de macroalgas no Brasil ainda serem incipientes, o interesse pela atividade vem
crescendo a passos largos. Isso decorre, principalmente, pelo estabelecimento do cultivo de
Kappaphycus alvarezii nos litorais do Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. A produção comercial
de peixes marinhos também é um setor promissor, mas que atualmente se restringe a pequenas
fazendas com tanques-rede produzindo beijupirá (Rachycentron canadum) e garoupa
(Epinephelusmarginatus) em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. A expectativa é que, a partir da
experiência acumulada e de resultados positivos, iniciativas similares venham a ocorrer em outras partes
do país.
Apesar da importância estratégica da maricultura, nem tudo são flores. Como toda atividade produtiva,
impactos negativos também podem ocorrer. No caso da maricultura, os impactos mais comuns são
aqueles relacionados à liberação de nutrientes dissolvidos e matéria orgânica, e a formação de áreas de
deposição no entorno das estruturas de criação. O equilíbrio ecológico também pode ser colocado em
xeque quando habitats naturais são modificados, quando produtos químicos são usados
indiscriminadamente, quando espécies criadas em cativeiro, algumas delas exóticas, escapam das
estruturas onde são mantidas e afetam as populações selvagens, ou mesmo quando cardumes de
peixes são capturados exclusivamente para a fabricação de rações.
Informativo CEMBRA Nº 14 - Edição Semestral 14