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Continuação



    Um exemplo da descontinuidade crítica, é observado sobre as leituras equivocadas feitas em diversos
    países sobre a escala e a persistência da inflação. As previsões estão sob constantes revisões em razão
    das falhas apresentadas. Diante disso, há uma surpresa generalizada por parte das análises tradicionais
    diante da falta de resposta dos modelos adotados. Com isso, a incerteza aumenta e causa significativos
    problemas para as tomadas de decisão, por exemplo, nos campos político e econômico¹.
    Se  a  globalização  acabar  e  o  mundo  ficar  desglobalizado,  aumentarão  os  riscos  de  conflitos  mais
    profundos em nível nacional e mundial? Uma prospecção do século passado traz exemplos de períodos               Matéria:
    de  desglobalização,  como  a  Guerra  Fria.  Isso  não  nos  dá  um  indicativo  seguro  do  que  poderá  vir  a
    ocorrer nos enfrentamentos atuais. Uma das razões é a diferença contemporânea em face do mundo
    possuir  “centros  de  poder”  em  crescimento  e  buscando  incrementar  as  suas  áreas  de  influência.  Um
    exemplo disso é a dificuldade enfrentada pela União Européia (UE) para reduzir a dependência da China
    em  nome  de  compromissos  com  a  “aliança  ocidental”.  Há  uma  divisão  nas  posturas  de  cada  país
    integrante da UE, em razão das dificuldades internas, para romper os laços com a China. Parece que a
    história  aqui  se  repete  mais  uma  vez  como  farsa,  como  ocorreu  com  Norman  Angell  ao  escrever  “A
    GRANDE  ILUSÃO”  antes  da  I  Guerra  Mundial  (Capítulo  II  do  livro  O  Brasil  e  o  mar  no  século  XXI:  Segurança Marítima: Novos Desafios?
    subsídios para o aproveitamento sustentável do mar brasileiro).
    A globalização e a desglobalização não tiveram no passado a força de impedirem os conflitos. Um bom
    termômetro é buscar por diversos analistas para ter o entendimento de  tempos complexos e perigosos.
    Alguns desses observadores de crises remetem a um autor, Edgar Morin, que nos anos 1980 já nos
    alertava  que:  “na  era  do  caos,  nada  pode  ser  predito  categoricamente;  tudo  deve  ser  conjecturado
    condicionalmente”.
    Por todos os aspectos apresentados, existem hoje tentativas de encontrar um vocábulo que, pela força
    de uma palavra, possa representar as incertezas e as percepções sobre os riscos globais, como no caso
    da geopolítica.
    Um ponto de partida para retratar a inovação do vocabulário que tenta explicar os eventos simultâneos e
    sucessivos (Pandemia, Guerra da Ucrânia, mudanças climáticas, etc...), ocasionadores de impactos de
    alta  intensidade,  como  se  fossem  “artefatos  bélicos”,  está  na  proposta  de  2021,  do  antropólogo  e
    futurista,  Jamais  Cascio.  Propos  a  sigla  BANI  (Brittle,  Anxious,  Nonlinear  e  Incomprehensible)  para
    explicar  como  sobreviver  na  era  do  caos  e  os  possíveis  futuros  em  substituição  ao  mundo  VUCA
    (Volatile, Uncertain, Complex e Ambiguous), criado pelo Exército dos EUA, para representar, nos anos
    1990, um mundo pós-guerra fria. O proponente da mudança identificou que não funcionavam mais as
    bases  do  VUCA  para  explicar  o  cenário  da  PANDEMIA,  quando  os  sistemas  globais  mostravam-se
    incapazes de funcionar sob estresse.
    O  dicionário  britânico  Collins,  por  outro  lado,  escolheu  como  “palavra  do  ano”,  em  2022,  a  palavra
    “permacrise”, definida como “período prolongado de instabilidade e insegurança”².
    As  reações  aos  impactos  cruzados  das  variáveis  para  um  mundo  integrado  globalmente,  trouxeram
    outros  termos.  “Friendshoring”  e  “nearshoring”  embutem  em  si  uma  alteração  estratégica  significativa
    para  diminuir  a  interdependência  da  globalização.  Hoje,  percebe-se  que  falta  uma  análise  atenta  aos
    riscos geopolíticos envolvidos. Até os temores de um “inverno nuclear” voltaram a ser temidos³.
    Um outro termo é “Policrise”. Tornou-se mais intenso o uso no Fórum Econômico Mundial em DAVOS
    deste ano (2023). Os críticos da proliferação de “policrise” avaliam que é mais um termo para falar de
    problemas  já  conhecidos.  Os  adeptos,  que  usam  o  termo  para  aprofundar  estudos  sobre  a  possível
    atipicidade dos choques e desafios contemporâneos, creem que ele resume e sintetiza um momento em
    que “a humanidade vivencia um conjunto heteregôneo de perigos que não são passageiros”.


     1. Jornal Valor, Dow Jones NewsWire, Erros de FED e governo pesaram na inflação, pág. C3, 14 de junho de 2022; Por que as previsões dos BCs estão tão erradas? pág. C3, 23 de maio de
    2023.
    2. Segundo o diretor da publicação, o termo resume bem como o ano foi horrível para tanta gente. Uma outra palavra é a expressão “warm bank” (banco quente), usada para designar um
    prédio aquecido para onde vão as pessoas que não conseguem pagar pelo aquecimento de suas moradias, caso do inverno europeu em razão da suspensão do fornecimento do gás e
    petróleo Russo. Uso do mercado como “arma” tanto nas sanções econômicas (arma financeira) dos EUA e aliados em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia, assim como o uso bélico do
    petróleo e gás pela resposta russa em função da dependência européia, com as consequentes elevação de preços nos mercados globais.
    3. Nearshoring aproxima as trocas comerciais para cercar-se de fornecedores e parceiros confiáveis. Segurança é mais importante do que redução de custos. Cadeias de produção passam a
    ter como base parcerias comerciais e estratégicas e não podem mais depender de uma única origem. Friendshoring refere-se à transferência de atividades para locais próximos aos Estados
    importadores e com isso reduzir riscos atrelados a conflitos de interesses e até mesmo guerras.


             Informativo CEMBRA                                        Nº 14 - Edição Semestral                  9
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