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Em busca de minérios, Brasil pede expansão de fronteiras marítimas

Áreas hoje consideradas como águas internacionais têm potencial para novas descobertas em petróleo e gás e extração de minerais estratégicos no fundo do mar

O Brasil está pleiteando junto à Organização das Nações Unidas uma mudança em suas fronteiras marítimas. O objetivo é estender a soberania brasileira sobre duas grandes áreas que hoje ainda podem ser consideradas como águas internacionais. São áreas com potencial para novas descobertas de poços de petróleo e gás e também com potencial para futura extração de minerais estratégicos do subsolo marinho.

Uma das áreas pleiteadas fica na costa norte. Seria uma extensão da chamada Margem Equatorial. A outra área é na costa Sul/Sudeste, uma região chamada de Elevação do Rio Grande. O interesse do Brasil é que a ONU reconheça que essas áreas têm características geológicas do continente e que, portanto, devem ser consideradas parte do território brasileiro.

Hoje, o Brasil controla uma faixa do mar de 200 milhas náuticas, a partir da costa. Esse controle diz respeito às águas, ao leito e ao subsolo marinho. A partir das 200 milhas é o que a Convenção do Mar, da ONU, define como plataforma continental estendida.

O pleito brasileiro é que nos dois trechos em questão, a área sob controle nacional seja ampliada. Essa ampliação, no entanto, daria um direito limitado ao Brasil. A “coluna d’água” nesses trechos adicionais às 200 milhas continuaria sendo tratada como área internacional - ou seja, onde navios pesqueiros poderiam continuar atuando.

"Pesquisa pode ser feita, mas não mineração porque não sabemos os riscos ambientais” — Luigi Jovane

O que mudaria seria a o controle sobre pesquisas e sobre futuras atividades exploratórias no leito e no subsolo marinho. O primeiro pleito levado à ONU pelo Brasil foi em 2004. A Marinha tem tido um papel central nas negociações.

Depois de idas e vindas e diversas reuniões ao longo dos anos na sede da ONU em Nova York, um cenário que a Marinha considera é que em 2024 ou, na pior situação, em 2025, os peritos das Nações Unidas encarregados de avaliar os pleitos dos países emitam uma decisão sobre a região da Margem Equatorial.

Em agosto, quando ocorreu a última reunião, os peritos da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da ONU pediram alguns esclarecimentos sobre o que seria o limite exterior dessa “nova” Margem Equatorial - que em vez de 200 milhas teria uma largura entre 320 milhas e 350 milhas náuticas.

“Na última reunião eles nos apresentaram diversos pontos de vistas favoráveis ao pleito brasileiro e já nos mandaram em seguida perguntas para que a gente responda para a próxima reunião, em outubro. Temos tido um diálogo bastante ativo”, diz a geóloga Izabel King Jeck, comandante da Marinha, hoje na reserva, que tem participado desde o início do longo processo de discussões com a ONU.

Especialistas que trabalham no Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac) preparam as informações complementares, com o auxílio de especialistas em geociências da Marinha do Brasil, da comunidade científica e também da Petrobras. A próxima reunião com os peritos da ONU está agendada para 4 de outubro.

Os peritos estão debruçados no pleito relativo à extensão da Margem Equatorial. O pleito sobre a região está em estudo na ONU desde 2019. Valter Sobrinho, chefe da Divisão de Geologia Marinha do Serviço Geológico do Brasil (SGB) diz que existe um conhecimento, por ora, mais teórico a respeito da presença de recursos minerais de interesse no fundo marinho nas regiões que são pleiteadas pelo Brasil.

Segundo ele, na área da Margem Equatorial que poderá ser estendida para além das 200 milhas tem mais potencial para exploração de petróleo e gás. A Petrobras vem buscando licenciamento ambiental para perfurar um poço exploratório numa faixa da Margem Equatorial que está dentro dos limites da faixa de 200 milhas náuticas.

“A Agência Nacional do Petróleo tem focado muito, nas duas discussões, na Margem Equatorial por saber do potencial. É uma região promissora, mas a área que a Petrobras tem interesse atualmente é uma área bem mais próxima da costa do que a faixa que a gente está propondo [à ONU]”, diz Izabel.

A ampliação do controle brasileiro sobre o subsolo marinho faria com que algumas bacias petrolíferas que já ultrapassam um pouco o limite das 200 milhas passassem a estar integralmente em área reconhecidamente brasileira. “No Norte, eles [alguns campos] estão bem no limite da zona econômica exclusiva que é o que a gente já tem direito nas 200 milhas. Isso na Margem Equatorial. Na margem Oriental Meridional [da elevação do Rio Grande] o polígono do pré-sal que já ultrapassa um pouquinho essa região e a gente já tem setores e blocos ultrapassando, de fato, as 200 milhas”, diz tenente da Marinha e geóloga Lorena da Fonseca Sampaio, também envolvida nos processos na ONU.

Na prática, isso não tem efeito nem suscita questionamentos até o momento porque o Brasil já depositou pedido de reconhecimento junto à ONU, o que já serviria teria o efeito de permitir operações desse tipo além das 200 milhas. O ideal, no entanto, avalia a Marinha, é que o Brasil termos tenha seus pleitos aceitos.

A outra área, que começará a ser analisada na ONU após a conclusão da análise do pedido sobre a Margem Equatorial, tem um potencial distinto. Segundo Sobrinho, a Elevação do Rio Grande tem mais potencial para os sulfetos polimetálicos, com possível presença de zinco, chumbo, cobalto, níquel, entre outros minerais que estão na categoria dos minerais estratégicos - cobiçados e necessários para a fabricação de baterias para carros elétricos e outras tecnologias relacionadas à transição energética.

O fundo do mar é ainda objeto de pesquisas em função de formações chamadas de nódulos e crostas, também ricas em metais que - em tese - poderiam vir a ser usados na indústria. Explorar o subsolo marinho, no entanto, para a produção de minérios não é algo que está no horizonte no Brasil, ao menos no curto e médio prazos.

Valter Sobrinho diz que grupos de trabalho formados por técnicos do governo federal discutem atualmente um esboço de futuras regras para a exploração das camadas subterrâneas do leito.

No momento, acrescenta ele, o importante seria obter o reconhecimento da ONU das duas áreas que estão sendo pleiteadas como extensão do território brasileiro. Izabel reitera: “Neste momento, no Leplac, o nosso envolvimento é definir o nosso quintal”.

A possibilidade de riquezas minerais em áreas do subsolo Atlântico ainda não reconhecidas como pertencentes ao Brasil é vista, na Marinha, com um chamariz para interesses estrangeiros.

Este ano, um navio da Marinha abordou um navio alemão de pesquisas que navegava na região da Elevação do Rio Grande, pleiteada pelo Brasil. Anos atrás, uma embarcação japonesa de pesquisa já havia estado no radar da Marinha pela mesma razão.

“O entendimento do Brasil é que essa região, a partir do momento que está o pedido está depositado na ONU, já vale como território brasileiro, mas não dá para afirmar que todas as outras nações concordem com esse entendimento”, diz Lorena. “Talvez, por esse motivo, o navio [abordado pelo Marinha] tenha vindo fazer a pesquisa nessa região e não submeteu às autoridades brasileiras um pedido para isso.”

O italiano Luigi Jovane, professor de Geofísica Marinha do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e membro da divisão da ONU que estuda o direito no mar, diz que se o Brasil conseguir “anexar” a Elevação do Rio Grande passaria a ter quase um país a mais sob seu controle - no que diz respeito ao potencial de recursos minerais, dadas as dimensões dessa região. É uma região com características particulares, que há 40 milhões de anos estava acima do nível do mar, tinha vulcões e florestas, diz ele. Uma “Atlântida”, brinca ele.

“Pesquisa pode ser feita. Agora, explotação [lavra] não pode porque não sabemos ainda dos riscos ambientais. Hoje fazer operação [de mineração] de grande porte pode ter consequências muito grandes, mortandade de peixes, mudanças nas correntes. A situações que poderia surgir seriam dramáticas.”

O Brasil foi um dos primeiros países a manifestar à ONU seu interesse em ampliar sua fronteira marinha. O primeiro país a apresentar um pleito foi a Rússia, lembra a comandante Izabel. O Brasil foi o segundo. O pedido russo não foi totalmente aceito. Em 2004, o Brasil apresentou o pleito às Nações Unidas.

Naquele momento, a iniciativa foi reclamar uma ampliação das fronteira marinhas do Amapá ao Rio Grande do Sul. Não deu certo. Em 2015, o país adotou outra estratégia. Dividiu o pedido em três regiões. A primeira, uma faixa diante da costa dos Estados do Sul - pedido que foi aceito em 2019. Depois, foi a vez de levar aos peritos a faixa equatorial e, em seguida, a região do Rio Grande - cuja análise talvez leve quatro a cinco anos ainda.